Estava
cá pensando com meus botões sobre os pobres brasileiros e como eles se
relacionam com as demais classes sociais e vice-versa. Para
ilustrar, vou contar um fato que ocorreu comigo no meu primeiro mês
aqui no Canadá. Vocês sabem que a gente chega aqui completamente sem
noção de nada e, felizmente, sempre aparece alguma alma boa para nos
orientar. Pois bem, fomos a um churrasco beneficente do Centro Cultural
Brasil-Angola, em agosto de 2007. Chegando lá, não sabíamos exatamente o
que fazer ou aonde ir, quando eis que um rapaz muito simpático nos
cumprimenta e nos explica o que fazer para pegar comida e bebida.
Pela
aparência e pelo modo de falar, deduzi que aquele rapaz humilde e
simpático não tinha muita instrução acadêmica e nem muitas posses materiais. No
decorrer da conversa eles nos contou que estava trabalhando na
construção aqui em Toronto (e nas entrelinhas nós deduzimos que ele
estava aqui ilegalmente). Ele, muito solícito, disse que se quiséssemos,
ele poderia arranjar um emprego na construção para Capachinho.
Capachinho agradeceu muito educadamente e disse que estava procurando
emprego em outra área. O rapaz perguntou então que área essa essa porque para determiados trabalhos é necessário ter "documentação" (ou seja, estar no país legalmente).
Capachinho sorriu e respondeu que ele era um web developer e estava procurando um emprego na área de informática.
A
expressão no rosto do simpático rapaz mudou repentinamente. Imediatamente, ele pediu
licença e saiu para longe, talvez envergonhado pela proposta que havia feito a pessoas que não era do mesmo "meio" dele. Daquele momento em diante, não
conseguimos mais nos aproximar dele porque ele nos evitava
veementemente.
Este acontecimento
sempre me faz pensar bastante, e me leva a concluir que talvez o pobre
brasileiro conheça "seu lugar" na sociedade. A faxineira, o pedreiro, ou
o motorista de ônibus, todos eles respeitam uma barreira invisível
existente entre eles e os que tiveram oportunidade de estudar. Eles se
colocam (ou são colocados?) em uma posição inferior não só em relação ao seu conhecimento ou
a situação financeira, mas também como ser humano. É como se eles não
fossem dignos de ter os mesmos direitos que aqueles que têm o que eles
nunca tiveram por pura falta de oportunidade. E quer saber? Às vezes parece que está tudo bem. Mas como assim?
Acredito
que essa resignação seja herança dos nossos tempos de 'casa-grande e
senzala', em que todos deviam obediência ao senhor (nos só empregados,
mas membros familiares também), que tinha, literalmente, a vida de seus
escravos nas mãos. Cabia a ele decidir quem iria viver e quem iria
morrer. A obediência incondicional, aliada ao trabalho duro e exaustivo
sem nunca se queixar, aumentavam as chances de um escravo evitar o
tronco e permanecer vivo.
A
escravidão foi abolida, mas a mentalidade escravocrata e paternalista
não. Os pobres, assim como os antigos escravos, sempre foram vistos como
seres inferiors e devedores de obediência e respeito aos seus
'superiores', como no ditado Manda quem sabe, obedece quem tem juízo.
Séculos
se passaram e o Brasil mudou muito pouco. A elite, descendente daqueles
senhores, carrega consigo a herança cultural dos tempos de colônia,
pagando o mínimo possível aos seus empregados, e tratando-os como
inferiores. O pobre se acostumou tanto a essa situação, que às vezes
temos a impressão de que ele nem percebe esse tratamento.
Aí
você vem para o Canadá e conhece um outro conceito de pobreza. Você
aprende que não é vergonhoso ter um trabalho braçal. Aliás, o trabalho
braçal é, muitas vezes, uma escolha e não uma falta de opção.
Você
faz amizades com pessoas que nunca fariam parte do seu círculo social
no Brasil. Você conhece um vendedor de loja que fala 3 línguas e viajou o
mundo todo; um pintor que mora em uma casa com piscina e jacuzzi e que é
3 vezes maior que seu minúsculo apartamento. Como se não bastasse, esse
mesmo pintor diz ter um filho formado em jornalismo, que terminou a faculdade
e foi fazer um curso de encanador porque dava mais dinheiro. Sim, seu
mundo vira de cabeça para baixo. Quem é quem nessa história?
Passado
o espanto, você passa a se sentir bem por viver em uma sociedade menos desigual onde as pessoas têm oportunidades iguais, independentemente
de sua cor, religião, ou origem social.
Ao
voltar ao Brasil, você fica chateado por ver as pessoas divididas em 'bolhas' , como se fosses castas sociais; mas você fica mais chateado
ainda ao ver que esses pobres realmente vivem em um outro mundo
diferente do seu e todos acham que isso é assim mesmo e que não há como mudar.
Entristece ver que que a mentalidade exploratória de nossos colonizadores que chegaram ao Brasil querendo retirar o máximo que aquela terra pudesse fornecer (recursos naturais e humanos) continua até hoje. Os sofridos índios de outrora são os pobres de hoje.
2 comments:
parabéns pela análise! Texto muito bem elaborado. bjs
Parabéns pela análise e pelo texto muito bem elaborado! bjs
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