Com alguma sorte este blog chegará a ter doze posts este ano, um para cada mês. Depois de quase 5 anos neste país, parece que acaba o assunto porque muitas das novidades ou das "primeiras vezes" já aconteceram, então nada parece interessante o suficiente para virar um post.
Hoje vou falar de uma experiência que eu nunca poderia ter tido no Brasil, e que é uma das coisas mais legais de um país muticultural.
Fiz amizade com duas irmãs persas no meu primeiro emprego aqui, em 2008. Nos vemos raramente, mas quando nos encontramos eu sempre aprendo coisas novas e chocantes. No caso dessas irmãs, o fato delas serem muçulmanas torna tudo mais interessante. Os pais delas fugiram do Irã com as 3 filhas quando elas tinham menos de 7 anos de idade. Mesmo vivendo no mundo ocidental, a mãe delas fez questão absoluta de criá-las dentro do islamismo. Elas não usam véu porque não gostam (aliás, quem gosta?), e só usavam no Irã porque eram obrigadas. A filha mais velha está com 40 anos e se casou há uns 4 anos com um rapaz que ela trouxe do Irã. Sim, casamento arranjado a pedido dela.
Antes do casamento, ela e as outras 2 irmãs viviam na casa dos pais sob as ordens deles. Não podiam receber amigos homens em casa e nem sair com eles, mesmo em grupo. Maquiagem, só depois do casamento (não precisa nem mencionar sexo, né?). E hoje eu descobri que a mulher não pode mexer na sobrancelha enquanto não se casar. Não é inacreditável? Tudo isso é para a mulher não se tornar sensual e atrair a atenção de outros homens; ela deve se resguardar e ser sensual apenas para o marido dela.
Olhando essas meninas, elas parecem absolutamente "normais" como qualquer menina ocidental, mas nem tudo é o que parece. Essa minha amiga não tem nenhum amigo do sexo masculino, pois não é certo uma mulher casada ficar conversando com outros homens. Nós achamos isso o maior absurdo do mundo, mas para ela é a coisa mais natural. O mais engraçado é ela achar que eu também sou assim; aí quando digo que eu tenho amigos homens, ela pergunta "Mas o Capachinho não acha ruim?" E eu digo que não e que ele tem amigas também. O espanto dela é ainda maior.
Apesar das diferenças, nos damos muito bem e sempre nos divertimos muito quando estamos juntas. O segredo é uma respeitar a cultura da outra. No começo eu achava estranho e ficava indignada com o fato das 3 meninas terem mais de 30 anos, trabalharem e não poderem morar sozinhas ou simplesmente colocar maquiagem para ir a uma festa. Aliás, antes de casar não tem nada de festa até tarde. Eu dizia coisas do tipo "Mas você tem seu trabalho, é independente, seus pais não têm direito de proibir esse tipo de coisa. Se fosse comigo blá, blá,blá". E elas sempre me diziam que as coisas não eram bem assim, que na religião delas elas tinham que obedecer os pais e seguir as regras da comunidade, senão elas não poderiam mais ter contato com os persas e nem com a família. Uau! Nunca mais falei nada.
E aí vem a questão do casamento arranjado, que o pai dela, por incrível que pareça, sempre foi contra. Quando a conheci, ela tinha acabado de se casar na Síria e o marido dela nem tinha feito o landing ainda; estava aqui com visto de turista. Lembro-me que as brigas eram constantes e a impressão que eu tinha é de que ele era um monstro machista sem respeito nenhum por ela. A família dela também não gostava dele e o fato de todos morarem na casa dos pais dela só agravava a situação. A família só falava em divórcio, mas ela não queria dar o braço a torcer e admitir perante a comunidade que o cara que ela foi buscar lá no Irã para se casar não era um par ideal.
Eu tinha muita pena dela, mas depois que eles compraram uma casa e saíram da casa dos pais dela, a coisa mudou.
Fui jantar com Capachinho na casa dela uma vez, e como todo bom persa, a família inteira estava lá: pai, mãe e irmãs.
Eu fui achando que ia encontrar no marido dela um tipo desprezível, mas o que encontrei foi uma pessoa sensível que estava fazendo das tripas coração para se adaptar a um novo país cuja língua ele não falava e se esforçando ao máximo para fazer minha amiga feliz.
Sim, cada um tem seu papel bem definido dentro do casamento, mas vi muito respeito e vontade de vencer. Hoje eles já se mudaram para uma casa maior, ele deixou de ser carpinteiro e arranjou um emprego como contador, que é a profissão que ele tinha antes de imigrar.
Casamentos arranjados ainda são coisa muito comum dentro de algumas culturas aqui no Canadá. Uma vez ouvi a história de um indiano jovem que defendia o casamento arranjado. Ele disse que o casamento não tem nada a ver com os noivos, mas com a família, portanto, duas pessoas só se casam se as famílias se derem bem. O que um sente pelo outro é irrelevante, porque segundo ele, o amor vem depois, e se não vier você aprende a conviver com a pessoa assim mesmo.
Ele é contra casamento por amor porque diz que não dá certo. Quando a paixão acaba não sobra nada, e aí vem o divórcio. Com casamento arranjado não; você já sabe o que esperar desde o começo e vai trabalhar para que o casamento dê certo. O casamento é um negócio, um contrato e todos vão trabalhar para um bem comum.
Esse indiano também disse que não é ele quem escolhe a pessoa com quem quer se casar, é a família dele. Ah, e é claro que a primeira e mais importante condição é de que a moça seja da mesma religião que ele, senão as famílias brigam e o casamento não dá certo. Eu perguntei "Mas e se você se apaixonar por uma moça branca ou de outra religião?" Ele fez uma cara como se eu estivesse falando a coisa mais absurda do mundo, pois é claro que isso nunca iria acontecer porque ele simplesmente não se interessa por moças que não sejam da cultura e da religião dele. E isso me lembra um outro caso de uma ex-colega de trabalho do Paquistão, também muçulmana. Um colega canadense vivia brincando com ela e perguntando para ela qual seria a reação dos pais dela caso ela aparecesse em casa com um canadense ou qualquer outro rapaz que não fosse da cultura e da religião dela. Ela insistia que isso não era possível, mas meu colega achava que não era possível por proibição dos pais delas, mas não. Não era possível porque ela jamais pensou ou pensará em se relacionar com alguém que não seja paquistanês e que não seja muçulmano. Essa menina é nascida no Canadá, mas ela se veste com roupas indianas e vive o mais próximo possível do que seria uma vida no Pasquitão.
É essa diversidade cultural que nos permite esse tipo de experiência imposssível no Brasil, pois lá os imigrantes têm que se adequar aos hábitos brasileiros, mesmo porque lá eles não encontram tudo que precisariam para poder levar uma vida parecida com a que tinham no país de origem.
Aqui existem shoppings onde só se fala chinês; mercados que vendem única e exclusivamente produtos chineses; restaurantes onde o menu é todo em chinês. Se você for sozinho a um restaurante desses tá ferrado, pois não vai conseguir pedir nem um copo com água.
O fato do Canadá respeitar outras culturas nos permite conhecer um pouquinho de cada país do mundo sem sair da cidade. Alguns acham que liberdade cultural e religiosa podem trazer problemas (em alguns casos traz sim) mas acredito que a riqueza que essa mistura nos proporciona é fascinante e não tem preço.